A Educação Escolar Indígena, embora prevista na legislação, ainda enfrenta desafios para sua concretização, pois precisa do compromisso com a efetivação das políticas públicas específicas para essa demanda.
Historicamente, a Educação Indígena era realizada pelas próprias comunidades, onde eram transmitidos conhecimentos da sua cultura com base no contexto local e seus costumes — os alunos não frequentavam as escolas regulares.
Isso porque as escolas regulares não ofereciam os conhecimentos da cultura indígena e tentavam integrá-los a sociedade, desconsiderando totalmente suas crenças e costumes.
Mesmo com o direito previsto em lei, a inclusão dos povos indígenas e sua cultura nas escolas não era realizado até recentemente, dificultando uma educação comum para todos, enquanto dever do Estado.
Desse modo, surgiram discussões sobre as diferenças entre Educação Indígena e Educação Escolar Indígena para buscar formas de incluir essa população no sistema educacional sem abdicar da própria cultura e aprender sobre ela na escola.
A ideia de extinção da cultura indígena foi superada para garantir o respeito aos povos e reconhecê-los como cidadãos, conforme declarado no artigo 231 da Constituição Federal:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. (Constituição Federal, 1988, Art. 231).
Portanto, incluir as comunidades indígenas e sua cultura no sistema educacional é assegurar o direito à educação a todos os povos e dever do Estado, conforme a Constituição Federal.
Embora os povos indígenas tenham o direito de definir seu próprio sistema de ensino, conforme assegurado pela Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, eles também têm direito a receber uma educação de qualidade enquanto cidadãos.
“Os povos indígenas têm o direito a todas as formas de educação, incluindo o acesso à educação em suas próprias línguas, e o direito de estabelecer e controlar seus próprios sistemas educacionais e institucionais. Os recursos serão proporcionados pelo Estado para estes propósitos” (ONU, 2007, parte II artigo 10).
O que é Educação Escolar Indígena?
Educação Escolar Indígena consiste na modalidade da Educação Básica ofertada pelos sistemas de ensino às comunidades indígenas, que contempla os conhecimentos da cultura e identidade indígena e os conteúdos não indígenas.
Desse modo, os alunos aprendem na escola sobre sua cultura e sobre conhecimentos gerais, ampliando sua formação escolar e assegurando o direito à educação.
A Educação Escolar Indígena surgiu para atender as necessidades educacionais desses povos e respeitar sua identidade, ou seja, não precisam deixar de lado sua cultura para receber uma formação escolar.
O artigo 210 da Constituição Federal define conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental para assegurar formação básica comum com respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, inclusive indígenas:
“O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Constituição Federal, 1988, Art. 210 § 2º).
Em outras palavras, a Educação Escolar Indígena refere-se à criação de escolas específicas para esses povos, respeitando sua cultura, suas línguas, seus costumes e particularidades em geral.
O Ministério da Educação (MEC) criou a Portaria Interministerial n.º 559, de 1991, para assegurar aos povos indígenas o direito a uma educação de qualidade, laica, diferenciada, bilíngue, com escolas no interior das áreas indígenas, com conteúdos curriculares e materiais didáticos adequados. Foi reafirmada em 1996 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):
“O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (LDB, 1996, Art. 32, IV, § 3.º).
Surgiu então, em 1998, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas para atender “a diferenciação da escola indígena das demais escolas do sistema, pelo respeito à diversidade cultural e à língua materna, e pela interculturalidade, o MEC, objetiva, com este material, auxiliá-lo no seu trabalho educativo diário junto às comunidades indígenas”. Em 2006, também foi lançado o Caderno Temático de Educação Escolar Indígena para apoiar os professores a atender a essa população.
Depois, em 1999, a Resolução nº 3 do MEC fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e resolve:
“Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica” (MEC, 1999, Art. 1).
Desse modo, a Educação Escolar Indígena ocorre em escolas inscritas em seu território, de acordo com sua realidade, com formação específica do corpo docente e respeitando os princípios constitucionais que orientam a Educação Básica brasileira.
O Parecer n.º 14 do MEC, de 1999, torna “assegurado o direito a uma educação de qualidade aos povos indígenas, que respeite e valorize seus conhecimentos e saberes tradicionais e permita que tenham acesso a conhecimentos universais, de forma a participarem ativamente como cidadãos plenos do país”.
Só em 2008, a alteração da LDB na Lei n.º 11.645 incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, foi definida a equidade como um dos princípios, que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes, em especial dos povos indígenas:
“De forma particular, um planejamento com foco na equidade também exige um claro compromisso de reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos — como os povos indígenas originários” […] (BNCC, 2018, p. 15).
Para tanto, a base orienta a elaboração dos currículos para se adequar as diferentes modalidades de ensino, no caso da Educação Escolar Indígena, devem ser asseguradas competências específicas a serem desenvolvidas a partir de suas culturas tradicionais.
Qual é o objetivo da Educação Escolar Indígena?
O principal objetivo da Educação Escolar Indígena é garantir uma educação de qualidade a essa população, que soma cerca de 250 comunidades no Brasil, de modo a respeitar suas origens e cultura.
Para tanto, pretende-se organizar um currículo escolar que atenda todas as aprendizagens necessárias a essa população, com materiais adequados e professores capacitados.
Para atingir esse objetivo, O MEC e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) propõem as seguintes ações:
- Formação inicial e continuada de professores indígenas em nível médio (Magistério Indígena). Esses cursos têm em média duração de cinco anos e são compostos, em sua maioria, por etapas intensivas de ensino presencial (quando os professores indígenas deixam suas aldeias e, durante um mês, participam de atividades conjuntas em um centro de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre a prática pedagógica nas aldeias. O MEC oferece apoio técnico e financeiro à realização dos cursos.
- Formação de Professores Indígenas em Nível Superior (licenciaturas interculturais). O objetivo principal é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das quatro séries finais do ensino fundamental, além de implantar o ensino médio em terras indígenas.
- Produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português. Livros, cartazes, vídeos, CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos professores indígenas são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às escolas indígenas.
- Apoio político-pedagógico aos sistemas de ensino para a ampliação da oferta de educação escolar em terras indígenas.
- Promoção do Controle Social Indígena. O MEC desenvolve, em articulação com a Funai, cursos de formação para que professores e lideranças indígenas conheçam seus direitos e exerçam o controle social sobre os mecanismos de financiamento da educação pública bem como sobre a execução das ações e programas em apoio à educação escolar indígena.
- Apoio financeiro à construção, reforma ou ampliação de escolas indígenas.
Como deve ser a Educação Escolar Indígena?
Para realizar a Educação Escolar Indígena, a BNCC orienta utilizar princípios pedagógicos próprios, com referências específicas, como:
- Currículos interculturais, diferenciados e bilíngues;
- Sistemas próprios de ensino e aprendizagem;
- Incluir conhecimentos indígenas e conteúdos universais;
- Ensino da língua indígena como primeira língua.
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas estabelece os princípios para elaborar os currículos com as seguintes características das escolas indígenas:
- Comunitária: a própria comunidade indígena conduz as ações escolares, conforme seus projetos, suas concepções e seus princípios, com liberdade de decisão sobre o calendário escolar, a pedagogia, os objetivos, os conteúdos, os espaços entre outros.
- Intercultural: pretende reconhecer e manter a diversidade cultural e linguística, promover discussões e experiências socioculturais de diferentes origens para estimular o entendimento e o respeito entre seres humanos de identidades étnicas diferentes.
- Bilíngue/Multilíngue: a cultura e as características indígenas se expressam em diferentes línguas, que devem ser contempladas nos currículos.
- Específica e diferenciada: considerar as particularidades dos povos indígenas e respeitar sua autonomia, “todo projeto escolar só será escola indígena se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da comunidade. O papel do Estado e outras instituições de apoio deve ser de reconhecimento, incentivo e reforço para este projeto comunitário” (Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, 1998, p.25).
Qual é a sua importância?
A aprendizagem só é eficaz quando está contextualizada à realidade dos estudantes, pois eles precisam se identificar com o que estão aprendendo em sala de aula.
Sendo assim, a Educação Escolar Indígena permite oferecer uma formação de qualidade que preserve a sua cultura e respeite suas particularidades, considerando a diversidade cultural do país como direito de todos os povos.
Essa modalidade de educação atende as necessidades educacionais da população indígena, que representa mais de 800 mil pessoas no país, número bastante significativo, apurado pelo Censo 2010, última pesquisa sobre o tema.
A Educação Escolar Indígena permite afirmar suas identidades étnicas, recuperar sua história, valorizar suas línguas e seus costumes bem como tornar acessível conhecimentos universais e tecnologias para benefício das comunidades, além de possibilitar a interação e participação cidadã na sociedade nacional.
Contribui também para garantir a autonomia dos povos indígenas, que podem proteger seus projetos históricos, desenvolver novas estratégias de sobrevivência física, linguística e cultural no contato com a sociedade.
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